📝 ensaios e entrevistas
a netflix continua sendo nossa inimiga
Ano passado, quando eu tive a vontade de assistir o (ótimo) filme novo do David Fincher, O Assassino, eu me deparei com o fato de que, na sua data de estreia, o filme só estava sendo exibido em três cinemas diferentes. Entre os três cinemas, localizações igualmente pavorosas e os mesmos dois horários “formidáveis” – um minguava pelo começo da tarde, o outro às 9 da noite. Eu fiz um esforço junto de amigos para assistir ao filme, mas a impressão que ficou é que a distribuidora simplesmente não queria que eu assistisse o filme num cinema… E meio que é isso mesmo. Há uns bons anos.
Alguns dias atrás, a diretora de conteúdo da Netflix, Bela Bajaria, lançou aspas fortes:
Somos a única empresa de streaming “realmente pura”, e nossos inscritos adoram filmes e querem vê-los na Netflix. Acho que muitas empresas e negócios fazem exibições teatrais e isso é um ótimo negócio para elas. Mas não é o nosso negócio.
Nosso negócio é garantir que os membros acessem a Netflix, que estejam com vontade de assistir a um filme e que recebam o filme que desejam ver, e esse sempre será o nosso foco: Fazer ótimos filmes para a Netflix que nossos inscritos queiram ver.
De um ponto de vista mercadológico, faz sentido. O sucesso (que durou uns 7, 8 dias) de lançamentos da plataforma como Bird Box, O Mundo Depois de Nós e O Poço é notável: a Netflix é profissional em lançar filmes que não tinham qualquer chance de angariar qualquer interesse equivalente do público a irem aos cinemas. Mas estando no conforto da nossa casa, por que não? O que complica é que esse mesmo ponto de vista é um que nos dificulta assistir filmes, no cinema, como os de Martin Scorsese (O Irlandês), Alfonso Cuarón (Roma), Jane Campion (Ataque dos Cães), Bradley Cooper (Maestro) e, claro, David Fincher (O Assassino).
Certos filmes da Netflix chegam a, de fato, serem distribuídos nos cinemas, mas por um brevíssimo período, em poucos cinemas e poucos horários. É de propósito. A Netflix faz isso apenas com filmes que o escalão considera “premiável”, cumprindo o mínimo do que é contratualmente obrigado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para torná-los um filme que obteve “lançamento nos cinemas”. Um dos exemplos mais claros em memória recente é o de Glass Onion: Um Mistério Knives Out, que, apesar do imenso sucesso no circuito americano, foi exibido por apenas uma semana.
Pelo que nos foi revelado por Bela, devemos esperar ainda menos lançamentos teatrais do que já estamos acostumados. Por sorte ainda temos uma ou outra empresa que ainda acredita no mercado teatral, como o recente caso da extensa exibição do último filme de Scorsese, distribuído pela Apple.
entrevistas da semana
Antoine de Baecque, Vertovina
Juliette Binoche, The Film Stage
Jane Schoenbrun, Film Comment
Catherine Breillat, Senses of Cinema
Molly Manning Walker, The Film Stage
🎏 cobertura de festivais
27º festival de tiradentes
Teve fim, no último sábado de janeiro (27/01), a 27ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. A edição deste ano trouxe como tema “As Formas do Tempo”.
Defendemos aqui que é preciso, sobretudo, olhar para os filmes, para o tempo dos filmes, seja a modulação do tempo construída pelos filmes como objeto, seja o tempo no qual o filme existe. Tendo em vista as condições, circunstâncias e debates atuais no audiovisual brasileiro, que tempos e temporalidades atravessam essa noção de contemporâneo nas práticas cinematográficas, nas ideias, nas imagens e, sobretudo, nos filmes brasileiros contemporâneos?
– Raquel Hallak d’Angelo e Quintino Vargas Neto, diretores da Universo Produção e Coordenadores da Mostra de Cinema de Tiradentes
Quanto aos premiados – na mostra Aurora, o Júri Oficial declarou como melhor filme o documentário Lista de desejos para Superagüi, do diretor paranaense Pedro Giongo. Enquanto isso, na Mostra Olhos Livres, o “Júri Jovem” concedeu o Troféu Carlos Reichenbach ao filme Aquele que viu o abismo, de Negro Léo e Gregorio Gananian. Não deixe de conferir a lista completa dos premiados da mostra no site oficial do Festival de Brasília!
Os críticos João Paulo Campos, da revista ‘Multiplot!’ fez ótima cobertura do festival, redigindo textos sobre os dois filmes vencedores, além de um destaque para Maçãs no Escuro, de Tiago A. Neves.
🤔 o que assistir nesse final de semana?
e-flux (gratuito): Shigeko Kubota
A plataforma de streaming e-flux disponibilizou o curta-metragem Marcel Duchamp & John Cage (1972), do diretor Shigeko Kubota.
Sinopse: Fotografias da famosa partida de xadrez de 1968 entre os músicos Marcel Duchamp e John Cage, na qual o tabuleiro, conectado ao som, funcionou como um instrumento musical. As gravações das composições de Cage acompanham as fotos e as imagens de vídeo.
Duração: minutos. Disponível até o final de fevereiro.
mubi ($): Lou Ye
A MUBI disponibilizou o filme Os Amantes do Rio (2000), da diretora chinesa Lou Ye.
Sinopse: Às margens do rio Suzhou, Marda se apaixona por uma jovem chamada Moudan. Quando ele a perde em uma tentativa de sequestro que deu errado, ela parece desaparecer no rio para sempre Até que ele conhece Meimei, uma mulher que trabalha em uma boate e que é exatamente igual a Moudan.
Duração: 79 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
🍿 links de interesse
🎵 Você sabia que Jonathan Glazer, diretor de Zona de Interesse, também foi o responsável pela direção do clipe “Virtual Insanity”, de Jamiroquai? [vídeo]
🕷️ O jornalista Thiago Gelli conseguiu arrancar da atriz Dakota Johnson (no meio de uma entrevista sobre Madame Web) a informação de que o próximo filme de Elaine May, Crackpot, ainda está em produção [vídeo].
💃🏼 A DEADLINE soltou um furo de que o diretor Stephen Frears (High Fidelity) irá dirigir Wilder & Me, filme biográfico sobre a produção do filme Fedora (1978), do cineasta Billy Wilder. O ator Christoph Waltz fará o papel de Wilder [artigo].
🐟 The Annihilation of Fish (1999), longa-metragem do cineasta Charles Burnett nunca antes exibido foi recentemente restaurado pela UCLA Film & Television Archive e pela The Film Foundation. 26 anos depois, o filme finalmente terá sua estreia [artigo].
📚 Uma notícia para os godardianos: o autor Fredric Jameson vai publicar o livro “Reading with Jean-Luc Godard”, um compêndio de 109 ensaios sobre os escritores mais constantemente referenciados na filmografia do diretor. Arendt, Balzac, Heidegger, Truffaut… [artigo]
🎙️ Antes de falecer, o cineasta Peter Bogdanovich gravou uma série de podcasts com amigos cineastas. Os dois primeiros episódios do projeto “One Handshake Away” foram disponibilizado postumamente essa semana, trazendo a participação dos cineastas Guillermo Del Toro e Quentin Tarantino. As próximas edições terão a participação de diretores como Ken Burns, Greta Gerwig e Julie Delpy [spotify].
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CENTONOVANTA PAESI
Oi, Pedro! Obrigado pela newsletter, ótimos recortes como de costume! :)
Sobre o lance da Netflix, acredito que talvez o Hit Man do Linklater passe nos cinemas daqui sim! Se não me engano, o acordo da Netflix pelo filme não incluía América Latina. Segundo o Filme B, a distribuição do filme aqui no Brasil está com a Diamond, previsto para estrear em junho com o título Assassino Por Acaso (kkkk).