📝 ensaios e entrevistas
preservação fílmica – o resgate à mídia física
No meio do mês passado, a plataforma de streaming MUBI anunciou por e-mail aos seus assinantes que estaria encerrando o seu sistema de “filme do dia”. Para os desfamiliarizados com o site, a ideia é simples: diariamente, a curadoria da MUBI escolhia a dedo um novo filme disponível aos seus assinantes pelo período de um mês. Findado esse tempo, a obra seria removida, podendo retornar à seleção num futuro distante. Dado essa lógica, a cada 30 dias a plataforma teria sempre uma seleção de 30 filmes diferentes. Já com a mudança anunciada, os lançamentos do site não serão mais diários, ficando restritos a uma discreta “aba de novidades”. O encerramento desse conceito é, no meu ver, uma pena, porque não só extingue o grande diferencial do serviço, que era seu elogioso trabalho curatorial, como introduz um problema que já percorre todos streamings: a falta de transparência sobre quais obras da plataforma irão (ou não) sair do catálogo, e quando.
Independente dessas alterações, ainda acredito que a MUBI segue como um bom auxiliar para que tem o interesse de pegar uma base de cinema mundial1 e descobrir novos lançamentos mais nichados. Mas para além do auxílio na descoberta, temos um outro problema. Com a contínua dependência sobre esses streamings: como retornar aos nossos filmes prediletos sem depender destas plataformas e/ou ceder à pirataria? E pior, como garantir que eles estarão de fato no formato original no qual assistimos? Para a New Yorker desse mês, o crítico Richard Brody publicou um artigo em defesa da coleção das mídias físicas, como DVDs e Blu-Rays, como a atual melhor forma de preservação cinematográfica.
É óbvio que não vivemos mais na época de Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, que armazenava latas de película na banheira de seu apartamento para salvar filmes largados no lixo pelas distribuidoras de cinema da época. Vivemos, no entanto, num cenário que Richard caracteriza como de “apocalipse tecnológico”, no qual serviços como a HBO Max e Disney+ tornam conteúdos inacessíveis sem o uso da pirataria e modificam ao seu bem querer o conteúdo das obras de seu catálogo:
Uma coleção de mídias físicas é um baluarte contra o medo – o medo de que os detentores dos direitos possam tirar obras de circulação, seja por causa de um mero lapso contratual ou por causa de uma escassez calculada criada pelo mercado.
[…] Tal qual o samizdat2, a mídia física assume um papel essencialmente político, para a preservação privada do que é negligenciado, suprimido ou destruído na esfera pública, seja por vandalismo mercantil, censura doutrinária ou apocalipse tecnológico.
Ainda que a curiosidade do ambiente cinéfilo não pereça perante essas dificuldades, o enfraquecimento das mídias físicas e o fortalecimento das plataformas de streaming tornam por facilitar um possível estreitamento do conhecimento geral de cinema, culminando no direcionamento de um cânone artístico particular. Não um cânone elaborado por entusiastas, como pela geração dos “ratos de locadora” ou pelo esforço de curadores em instituições como a Cinemateca do MAM. Falamos do mais perigoso dos cânones, aquele gerenciado pelo mercado de cinema de arte. Que por mais que seja ‘de arte’, ainda se trata de um mercado.
Infelizmente, enquanto os gringos se deleitam com exemplares da Criterion Collection e da Arrow Video (que anunciou no fim de agosto um invejável boxset com restaurações 4K inéditas dos filmes de José Mojica Marins), aqui no Brasil temos poucos bons exemplos de distribuidoras de mídia física em atividade, como é o caso de empresas como a Versátil Home Vídeo, Imovision e a Obras-Primas do Cinema.
entrevistas da semana:
Ryūsuke Hamaguchi, The Hollywood Reporter e Variety
🤔 o que assistir nesse final de semana?
henri (gratuito): Jacques Rozier
A plataforma de streaming HENRI disponibilizou o curta-metragem Blue Jeans (1957), do diretor francês Jacques Rozier.
Sinopse: Dois rapazes de dezessete anos passam o dia na praia de Cannes procurando garotas para conquistar.
Duração: 23 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
mubi ($): Michael Mann
A MUBI disponibilizou o clássico Fogo Contra Fogo (1995), do diretor norte-americano Michael Mann. Ferrari, seu novo filme, chega às salas de cinema brasileiras no primeiro trimestre de 2024.
Sinopse: Em Los Angeles, um ilustre detetive da Divisão de Roubo e Homicídio assume um caso contra um ladrão sofisticado. Os dois iniciam uma perseguição de gato e rato. Eventualmente, ambos começam a perceber que precisam um do outro. A linha que separa criminosos e policiais nem sempre é bem definida.
Duração: 170 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
🍿 links de interesse
🌃 O jornalista Jake Malooley conta a história por trás da produção de um dos filmes mais marcantes da carreira de Martin Scorsese: Depois de Horas (1985) [artigo].
🏠 O cineasta alemão Werner Herzog publicou uma crônica autobiográfica na New Yorker sobre a vez que, aos seus vinte e poucos anos, foi acolhido por uma família excêntrica em Pittsburgh [artigo].
🎏 O Festival do Rio anunciou a seleção de filmes para a Première Brasil, mostra da edição focada em produções nacionais. A 25ª edição do festival acontece mês que vem, entre os dias 5 e 15 de outubro. [website].
🍅 A revista Vulture revelou essa semana que empresas de assessoria de Hollywood estão pagando críticos de cinema para publicar críticas positivas ao Rotten Tomatoes para alavancar os ‘percentuais de qualidade’ de filmes na plataforma [artigo].
💥 Sean Howe, autor do livro Marvel Comics – A História Secreta, descobriu a gravação de uma conversa entre o produtor Stan Lee e o cineasta francês Alain Resnais, de Hiroshima, Meu Amor. A dupla quase chegou a colaborar num filme de ficção científica [artigo].
🇨🇳 O ator chinês Tony Leung recebeu neste último sábado (02/09) o Leão de Ouro honorário no Festival de Veneza pelo conjunto de sua obra. O Dylan Cheung resgatou no Twitter um trecho de uma entrevista com ele no começo dos anos 90, anos antes dele virar o muso de Wong Kar-wai [vídeo].
✊ Por conta da greve dos atores e roteiristas de Hollywood, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (sim, aquela responsável pelo Oscar) cancelou eventos de recepção para os festivais de cinema de outono, incluindo o TIFF, o Festival de Cinema de Telluride, e o de Londres [artigo].
🇧🇷 Falando em Oscar… A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais a seleção de longas que estão na corrida para representar o Brasil no prêmio de melhor filme internacional ️para a edição de 2024. O escolhido será anunciado na semana que vem, no o resultado final será anunciado no dia 12 de setembro [artigo].
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Ainda que um tico francófona.
Prática nos tempos da União Soviética destinada a evitar a censura imposta pelos governos dos partidos comunistas nos países do Bloco oriental.
uma pena a criterion não explorar o mercado brasileiro, seria um boa oportunidade pra eles e seria ótimo pra gente tbm!!